Nessa
semana, o Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, ao falar sobre o Sistema
Prisional Brasileiro, declarou que preferiria morrer ao cumprir uma longa pena
em nosso sistema. Declaração polêmica, que me fez abrir novamente um livro que,
há tempos, se encontrava empoeirado em minha estante, o meu TCC.
Quando
cursava serviço social na UNESP Franca, fiz estágio no Centro Jurídico Social,
unidade auxiliar na qual, estudantes de direito e serviço social, prestavam
assistência sociojurídica aos presos do município e às suas famílias.
Eu
trabalhava com a orientação e triagem dos presos que tinham direito ao
benefício Auxílio Reclusão, e acompanhava suas famílias nos tramites para
acessar o benefício. Esse trabalho despertou em mim um interesse muito grande
sobre esse universo obscuro que é o sistema prisional brasileiro. A primeira
dificuldade que encontrei em desenvolver esse trabalho, foi lidar com a
indignação das pessoas que achavam simplesmente um absurdo, o preso “receber um
benefício por estar preso” e se disseminavam pelas redes sociais, uma série de
mentiras absurdas sobre a concessão do benefício, com o objetivo de incitar a
população.
O
Auxílio Reclusão é um benefício previdenciário, garantido a família do
preso de baixa renda, segurado pelo INSS, ou seja, o indivíduo tinha que estar
contribuindo antes da prisão, para que sua família possa fazer jus ao benefício.
O Auxilio Reclusão está embasado no princípio constitucional da impessoalidade
da pena, ou seja, que a pena não passará da pessoa do preso. Entendendo-se que
se o indivíduo era arrimo de família, ao ser preso, sua família perde a fonte
do sustento, sendo portanto, penalizada junto com o preso. Nesse sentido, após
a prisão e, verificada a manutenção da qualidade de segurado, a família recebe
o benefício, que atualmente é calculado com base na média dos 80% maiores
salários do período de contribuição do segurado. Ou seja, uma parcela muito
pequena da população carcerária tem o perfil para acessar tal benefício. Tão
logo seja cumprida a pena, o mesmo é cessado.
A
observação de que grande parte dos presos era reincidente, me levou ao seguinte
questionamento: O que faz alguém voltar a cometer um crime, mesmo sabendo as
condições degradantes do sistema prisional? Então defini meu objeto de pesquisa
e constatei que, para além das péssimas condições as quais os reclusos são
submetidos durante a pena, eles enfrentam algo ainda pior após a liberdade – O completo
abandono por parte do poder público e o ostracismo social.
Não
há assistência ao preso após a sua liberdade, no sentido de apoiá-lo nesse processo
de reinserção social. Vivemos em um sistema capitalista, onde a sobrevivência
está pautada pela venda e compra da força de trabalho. Considerando que a grande
maioria da população carcerária é negra ou parada, tem entre 19 e 29 anos, com
baixa escolaridade e baixa qualificação profissional, como podemos falar em
reinserção no mercado de trabalho? Falar em reinserção pressupõe que em algum
momento essas pessoas já estiveram inseridas no mercado de trabalho, o que também
não é verdade. Tal conjuntura aliada ao
estigma e ao peso de uma condenação resulta em uma exclusão social
potencializada que reconduz o egresso a práticas delituosas, e
consequentemente, ao sistema prisional.
A
Lei de Execução Penal e o Código Penal Brasileiro, traz em seu arcabouço, a
defesa da garantia dos direitos humanos e a perspectiva de reabilitação do
preso e sua reinserção social. No entanto, não é isso que observamos em nossas
prisões. Os presídios brasileiros são territórios da desumanização. Essa
situação é reforçada pela concepção que a sociedade brasileira tem do
tratamento que deve ser dispensado aos presos. Ainda impera uma mentalidade
medieval e arcaica que reforça a prática de castigos físicos e a aplicação de penas
degradantes. Por isso chego a acreditar que, se houvesse uma melhora
significativa nas condições gerais dos presídios brasileiros, esta não
implicaria necessariamente, em um tratamento melhor, porque a mentalidade de
muitos que trabalham no sistema e da sociedade de modo geral, é a de que preso
não tem que ter “regalia”. Direitos humanos não é regalia. Direito é direito!
E
essa sede de sangue que extravasa de uma sociedade doente e acuada, faz com que
voltemos as nossas origens de querer fazer justiça com as próprias mãos. Agora
é Olho por olho, dente por dente”. Ou seja, os setores mais conservadores da nossa
sociedade clamam pela redução da maioridade penal, pela legalização da venda de
armas de fogo e pela implantação de pena capital. Que país é esse?
O
Sistema Prisional Brasileiro desumaniza não somente os detentos, mas seus
trabalhadores e a sociedade de modo geral, e apesar de vislumbrar um amplo
campo de atuação para o serviço social, optei por limitar a minha contribuição
ao meu trabalho de conclusão de curso e à promoção de reflexões, sempre que
possível.
Assim
como o ministro Eduardo Cardoso, preferiria morrer, a ficar presa, não somente
pelas condições do sistema, mas pela privação de liberdade em si, que já é o
pior de todos os castigos. A prisão não limita somente o corpo, ela limita a
sua humanidade.
A conclusão que chego sempre que penso sobre esse assunto, é que, somos todos prisioneiros, só estamos do lado diferentes da grade.
Débora
Garcia
Oi Débora tudo bem? Gostei da sua análise, beijo!
ResponderExcluirMuito bem posicionada, bem colocada. Fez eu refletir sobre esse contexto. Muito bom, Preta!
ResponderExcluirOlá, Débora. Conheci seu blog através de minha prima Mônica. Adorei suas colocações sobre esse tema tão banalizado e marginalizado pela sociedade num geral. Acho que estamos realmente ficando mais duros como ser. Lamentavelmente...estamos perdendo o que nós humanos temos de mais bonito: a sensibilidade e o respeito pelos direitos de todos que são humanos e não só dos que pensam ser blindados para o erro.
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