segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O cadáver.


Ele estava ali ha muito tempo. Era possível sentir o odor desagradável de longe. Todos que por ali passavam sentiam seu estômago se revirar de enjôo, faziam cara feia e tapavam o nariz. O sol a pino piorava a situação, era simplesmente insuportável.

Os que obrigatoriamente passavam pelo local, se esforçavam e fingiam que ele não estava ali, como se já fizesse parte da paisagem, e seguiam seus trajetos apressadamente.

Além do odor que inegavelmente indicava o seu estado avançado de putrefação, sua feição já não trazia mais o brilho dos vivos. Estava esverdeado, opaco, com moscas ao redor, definitivamente morto.

Apesar da omissão de grande parte da população, que não queria envolvimento com a polícia, a denúncia foi feita anonimamente e a imprensa foi chamada.

Ativistas de movimentos sociais também fizeram a denúncia aos órgãos de competência. Para dar maior visibilidade ao caso utilizaram a internet e as redes sociais para mobilizar o maior número de pessoas para participarem de um ato em frente à Prefeitura de São Paulo.

No dia e hora marcada milhares de pessoas se concentraram em frente à Prefeitura. Traziam seus rostos pintados de preto em representação ao luto que guardavam pelo defunto. Vestiam camisetas pretas, agitavam bandeiras e cartazes com palavras de ordem. A multidão entoava em coro uníssono a seguinte frase:

- Ei seu prefeito, queremos respeito! Ei seu prefeito, queremos respeito! ...

Cátia Cristina, repórter da rede Quem Vê, fazia uma chamada sobre a manifestação e perguntou a um dos ativistas:

- O que você tem a dizer sobre essa situação?

O mesmo respondeu de maneira inflamada, visivelmente revoltado:

- Eu acho que isso é um descaso, um desrespeito para com o morto e principalmente para com os vivos. Pagamos nossos impostos e não somos obrigados e ver todos os dias essa cena deprimente, e sentir esse cheiro horrível.

Outro ativista complementou:

- Esse é sem sombra de dúvida um atentado à saúde pública de nossa cidade. A sua permanência assim a céu aberto é uma fonte inesgotável de proliferação de bactérias, além de provocar a contaminação do solo e do lençol freático. Isso é uma vergonha para a cidade mais rica do país, São Paulo merece ser tratada com mais respeito! O cidadão paulistano merece mais respeito! Enterrem-no logo!

E a multidão começou a entoar:

- Enterra! Enterra! Enterra! Enterra! Enterra! Enterra! ...

- Como vocês podem ver telespectadores, a situação está complicada. A população quer uma resposta das autoridades. Em breve o Prefeito Amauri Barros fará um pronunciamento à população diretamente da sala de imprensa do Edifício Matarazzo. Retornaremos aos nossos estúdios. Aqui falou Cátia Cristina, diretamente da sede da Prefeitura de São Paulo.

Poucos minutos depois, conforme prometido, o Prefeito Amauri Barros fez um pronunciamento, que foi transmito em todas as emissoras da cidade e em um telão para a população que aguardava empolvorosa em frente à sede da Prefeitura de São Paulo. Disse o prefeito:

- Povo paulistano! A administração Municipal e o Governo do Estado entendem a sua revolta, que é legitima. Mas estamos trabalhando conjuntamente para resolver o problema da maneira correta. Seria bem mais fácil nos livrarmos da questão, e enterrá-lo de uma vez por todas, como vocês desejam. Mas não podemos desconsiderar o seu potencial turístico e todas as possibilidades de lucros que a sua presença aqui, no meio da cidade, nos possibilitará.

Ao ouvir essa frase, o frisson dos jornalistas foi geral. Todos queriam fazer perguntas, mas a Acessoria de Imprensa da Prefeitura, disse que o Senhor Prefeito não responderia a perguntas.

Lá fora a multidão começou a vaiá-lo e a chamá-lo de mercenário.

Para fechar a sua fala, o prefeito disse em meio ao rebuliço:

- A Prefeitura de São Paulo visionária como é, e pensando sempre na qualidade de vida de seu povo, garante: Nós vamos ressucitá-lo. Muitos dizem que ele está morto, mas nossos especialista já atestaram que é possível recuperá-lo, trazê-lo à vida novamente. Estamos dispostos a investir pesado e a utilizar toda a tecnologia necessária. Seremos a primeira cidade do país a fazer tal experiência, nós vamos conseguir, vamos conseguir dar vida novamente ao Rio Tietê.

Débora Garcia.

Este conto foi produzido para o projeto Comunidade do Conto, realizado pela Associação Cultural Literatura no Brasil. O encontro aconteceu dia 03 de agosto e o tema foi Surpresas. O próximo tema é Honra.

Seguem algumas fotos do encontro:










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